O lendário Rio Fervente da Amazónia – explorar um mistério através de dados

O lendário Rio Fervente da Amazónia – explorar um mistério através de dados

Enquanto criança no Peru, Andrés Ruzo ouviu a lenda do Rio Fervente pelas palavras do seu avó. Mais tarde, enquanto estudante de Doutoramento na área de ciências geotérmicas, Ruzo começou a perguntar-se: será que o rio existia mesmo? Esta pergunta conduziu-o ao rio na floresta tropical amazónica, onde iniciou um projeto de investigação que viria a inspirar milhões. Através da sua pesquisa, Ruzo confiou nos medidores portáteis YSI da Xylem para fazer amostragem da qualidade do rio, reunindo dados que fornecem novas informações sobre o fenómeno.

A história que o avô de Ruzo lhe contou sobre o Rio Fervente data da época das conquistas espanholas. Os Incas inventaram uma história sobre uma cidade feita de ouro, El Dorado, nas profundezas da floresta tropical. Quando os caçadores de ouro sobreviventes regressavam, descreviam a eterna noite da escura floresta tropical, profundezas sombrias guardadas por guerreiros silenciosos munidos de setas com pontas envenenadas, aranhas suficientemente grandes para devorar pássaros, nuvens de insetos e um rio que poderia cozer um homem vivo.

Mais tarde, enquanto estudante de doutoramento na Southern Methodist University (SMU) na área de ciências geotérmicas, Ruzo recordou a história do seu avô. Um mapa de fontes termais no Peru fê-lo perguntar-se se poderia mesmo existir um rio que ferve na floresta amazónica. Cientistas e profissionais de petrolíferas disseram-lhe que não seria provável, mas quando perguntou à sua tia, esta afirmou “Eu já lá estive.” Na verdade, a tia mostrou-lhe o caminho para as margens ferventes do rio.

Xáman Asháninka Maestro Juan Flores. Créditos da foto: Sofía Ruzo.

Um rio sagrado e um ecossistema ameaçado

Depois de visitar o lendário rio, Ruzo sentiu uma urgência imediata em difundir a consciencialização acerca deste. A floresta em redor do rio ainda era patrulhada por aranhas comedoras de pássaros, xamãs nativos, vespas e mosquitos. Mas também por traficantes de madeira e ocupantes ilegais que contribuíam para o decréscimo da floresta. Testemunhou árvores cortadas e troncos queimados espalhados por toda a paisagem em torno do Rio Fervente. Ruzo estava numa corrida contra as motosserras e as tochas que ameaçavam o rio e o seu ecossistema.

“Imaginem estar neste bonito, interessante e crepuscular mundo da floresta e de repente algo se abrir e entrarmos numa paisagem completamente desflorestada, apocalítica, com troncos de árvores enormes, do tamanho do vosso carro – árvores que vocês conheciam”, afirma, descrevendo uma viagem de regresso ao Rio Fervente através de terrenos desmatados recentemente. “Chegamos à maior celebração da vida no planeta, e vêmo-la ir ficando em silêncio.”

Andrés Ruzo no Rio Fervente. Créditos da foto: Devlin Gandy.

A missão de Ruzo para aumentar a consciencialização e proteger o rio

Depois desta viagem devastadora, Ruzo colocou a pesquisa da sua dissertação em segundo plano e dedicou-se a contar a história do Rio Fervente ao público em geral. Escreveu um livro acerca da sua viagem até ao Rio Fervente, uma expedição financiada por um fundo do National Geographic Explorer. Fez uma TED Talk que conseguiu mais de 2,4 milhões de visualizações e foi entrevistado inúmeras vezes sobre a sua descoberta científica de um rio que os membros das tribos amazonas locais tinham mantido como sagrado durante gerações.

Ruzo usou a ciência para defender a causa de proteger a área em torno do Rio Fervente e tornou-se defensor dos direitos às terras para as pessoas que ancestralmente chamam esta selva de casa, incluindo as tribos Asháninka e Shipibo. Os Asháninka chamam ao Rio Fervente “Shanay-timpishka” – que significa “fervente pelo calor do sol.”

“Existe uma obrigação moral para com a ciência,” afirma Ruzo. “Aprendi a ser cientista através do pensamento ocidental – foi assim que fui ensinado,” explica. “Mas as minhas sementes do trabalho pela conservação na Amazónia vieram do Maestro Antonio Muñoz, um líder dos Shipibo. Ele abriu-me os olhos e disse, ‘Estás aqui. Estás a documentar tudo. Isso é suficiente para ti? É suficiente simplesmente documentar a destruição?’”

Antes de publicar os dados para os colegas investigadores, Ruzo prometeu a si mesmo que iria ajudar a proteger a paisagem. Passou anos a aumentar a consciencialização para o rio e a sua magia, e ajudou líderes indígenas a obter os direitos legais às suas terras. Agora que as terras pertencem a residentes indígenas, Ruzo voltou à publicação dos seus dados.

Medir o curso e as temperaturas do Rio Fervente

O Rio Fervente começa como um ribeiro de floresta frio e pequeno que aumenta significativamente em volume e temperatura à medida que flui por zonas de falhas geológicas. Com dezenas de fontes termais e um fluxo poderoso, o Rio Fervente na floresta tropical amazónica no Peru é o maior rio termal documentado do mundo.

Ao longo de mais de 6 quilómetros, o rio corre através de rochas, selva densa e pântanos termais, alargando-se até um pico de cerca de 30 metros e atingindo uma profundidade máxima de quase 4,5 metros.

Ao longo do caminho, Ruzo mediu as temperaturas que variavam entre as temperaturas do ar de cerca de 27°C até zonas de vapor com temperaturas médias de cerca de 90°C. As maiores zonas da parte termal do rio ultrapassam largamente os 47°C, uma temperatura que coloca a vida em risco caso algo caia dentro dela.

Ao nível do mar, a água ferve a 100°C. Em La Bomba, uma fonte termal fortemente borbulhante, cujo nome se traduz por “A Bomba”, Ruzo mediu a temperatura do rio entre 94 e 97°C. Cerca de 300 metros a jusante de La Bomba, a temperatura da água do rio atingiu o máximo numa fonte chegando aos 99,1°C.

Ruzo usando uma câmara térmica no rio. Créditos da foto: Sofía Ruzo.

Investigando a água invulgarmente limpa do rio

Dois dos maiores mistérios do rio são a fonte da sua água quente e da sua pureza. Os Asháninka acreditavam que o Shanay-timpishka era fruto de espíritos poderosos. Afinal, a água é surpreendentemente segura para consumo, ao contrário de outras fontes de água locais que muitas vezem infetam quem a bebe com disenteria, doença do legionário e outras doenças.

“É fácil perceber porque é que os indígenas afirmam que ‘Isto é obra de espíritos poderosos porque é água saudável. Isto foi colocado aqui para nos curar.’”

Ruzo usa um medidor portátil YSI Pro Series para testar o pH, o potencial de redução de oxigénio e a condutividade elétrica para ter mais pistas no curso do rio nas profundezas da terra e de volta. Também usa o instrumento para medir a água de diferentes pontos de entrada ao longo do rio e monitorizar alterações ao longo do tempo.

“Trabalhei em sistemas geotérmicos em todo o mundo e não quereriam beber água da maioria dessas águas,” afirma Ruzo. “Podem estar carregadas de materiais pesados, ser altamente ácidas ou alcalinas, ou mesmo alojar coisas como ‘amebas comedoras de cérebros.’ No caso do Rio Fervente, não havia efetivamente nada na água. Usando o meu YSI, descobri que as águas do Rio Fervente eram ‘mais limpas’ – ou seja, tinham uma condutividade elétrica mais baixa – do que a Evian.”

Ruzo teve conhecimento dos medidores portáteis YSI na SMU pelo reconhecido investigador da qualidade da água Dr. Andrew Quicksall e rapidamente percebeu como seria importante ter um para os seus próprios estudos.

“A aula do Dr. Quicksall mostrou-me como o pH, a condutividade elétrica, o potencial de oxidação-redução e outros parâmetros se aliam para ajudar a compreender em que tipo de ambiente essa água se encontra,” explica Ruzo. “Tornou o invisível visível de uma forma que achei ser realmente poderosa.”

A fonte de água quente do Rio Fervente

O Rio Fervente fica a 700 quilómetros de distância do vulcão ativo mais próximo, por isso os cientistas não acreditam que a água quente seja causada por algum sistema vulcânico. Contudo, a crosta terrestre quente é a resposta mais provável. Isto é apoiado pela pureza da água, pelos dados geoquímicos e geofísicos, modelos geológicos e outras pesquisas.

Ruzo acredita que o Rio Fervente é alimentado por água que vem das profundezas da Terra, é aquecida pelas rochas circundantes e é impelida pelo calor e pela pressão através das falhas na superfície.

Ruzo deu a conhecer o Rio Fervente a cerca de 800 milhões de pessoas em todo o mundo através dos seus esforços de divulgação. Apesar de um aumento da consciencialização, o Rio Fervente e as terras em seu redor permanecem na “mais vermelha” das zonas vermelhas de desflorestação do Peru. Contudo, agora a comunidade local já possui legalmente as terras e o rio está listado como uma prioridade de conservação para os grupos de conservação peruanos. Através dos esforços de Ruzo para desvendar o que fora outrora uma lenda, o Rio Fervente é agora o centro de uma campanha de conservação ativa para proteção governamental.  

Ler a história completa e mais em Missão: A revista da água.

Escrito por Steve Werblow
Crédito da foto imagem superior: Delvin Gandy

by Steve Werblow